quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O dilema de Serra

Quando avaliou que o caminho seria complicado, abriu mão do direito que seus companheiros lhe davam. Passou a batata quente para o Alckmin.

Às vezes, quem está de fora do mundo político não entende bem o porquê de determinadas questões que preocupam quem está dentro. Por exemplo: por que os profissionais do ramo sempre falam nas dúvidas que o governador José Serra teria de assumir sua candidatura presidencial? Qual seria o fundamento dessa conversa, se ele tem uma vantagem tão confortável nas pesquisas?

O cidadão comum está acostumado, ao contrário, a ver candidatos que ostentam intenções de voto como as dele, na casa dos 40%, ficar inteiramente à vontade. Quem já não viu o sorriso do político que alcança esses píncaros e que lá permanece durante meses e meses? Tudo nele transpira autoconfiança, sua voz, seus gestos, suas ações. Ninguém precisa lhe perguntar se vai ser de fato candidato. E ai de quem especular sobre se sua vontade é firme ou se vai refugar na hora H.

Serra dá sinais de muitas coisas, menos desse à vontade. Ao seu redor, assessores e aliados insistem em dizer que sua decisão está tomada faz tempo e que é inabalável. Nada faria com que abrisse mão da disputa pela Presidência, pois ele não trabalharia com a hipótese de se contentar com a reeleição em São Paulo.

PORQUE, ENTÃO, essas suspeitas permenecem no MEIO POLÍTICO?

Mesmo agora, depois que Aécio Neves deixou o campo livre para ele?

alvez a explicação esteja na personalidade do governador, que o leva a ter dificuldade de transmitir a seus interlocutores, no plano do comportamento, a mesma segurança que transmite nas ideias e convicções.

Talvez tudo venha do que ocorreu em 2006. Quem conhece em algum detalhe a história do processo pelo qual passaram os líderes tucanos, sabe que não é impossível que Serra deixe todo mundo esperando e termine por optar pela linha de menor risco. Enquanto achou que poderia derrotar Lula com facilidade, se manteve no páreo. Quando avaliou que o caminho seria complicado, abriu mão do direito que seus companheiros lhe davam. Passou a batata quente para o Alckmin.

Se esse episódio estabelece um padrão, quem sabe ele não se repete ano que vem? Será que o governador, desta vez, vai mesmo? Ou será que está ainda esperando para saber como é que as coisas vão ficar?

Curiosamente, tudo tem a ver com as pesquisas. As mesmas que o tornaram uma espécie de inevitabilidade, a partir de quando apontaram seus 40%. O número falou alto, apesar de sua falibilidade e da óbvia inconveniência de que substitua a escolha política.

Andamos quase três anos e a bola continua com as pesquisas. De novo, serão elas que vão ditar o que o governador fará e, por conseguinte, o que farão as oposições, pois foi assim que elas se colocaram: no aguardo de Serra.

O problema para o governador é que, nem tão cedo, as pesquisas nacionais lhe darão a certeza que quer. De que vai ganhar e aí deixa para trás as preocupações e abraça a candidatura a presidente. Ou de que vai perder, o que faria com que preferisse a alternativa paulista, em relação à qual se sente seguro.

Serra quer que o relógio da política obedeça a seu ritmo, andando devagarinho enquanto pensa e faz cálculos. Foi bom para seus aliados que, em 2006, ele se convencesse cedo de que não valia a pena se arriscar. Em 2010, no entanto, parece que vai prolongar-lhes a agonia. Menos de Aécio, que, conforme disse, readquiriu o controle de seu próprio tempo.

De tudo isso, um registro a fazer. Serra, ao longo de sua carreira no Congresso e no Executivo, é um dos políticos brasileiros que mais se empenhou em disciplinar e estabelecer controles para as atividades de pesquisa no Brasil. Talvez porque não consiga se libertar delas.

Sociólogo e cientista político, Marcos Coimbrã

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